O primeiro-ministro da França, François Bayrou, está em uma agenda intensa para tentar salvar seu mandato. A crise também arrisca a estabilidade política na França. Da oposição, que é maioria no Congresso, ao governo pede-se a saída de Bayrou e a convocação de novas eleições legislativas.
Essa seria a quarta alteração na chefia do governo em apenas 1 ano. O caos envolvendo o mandato foi instaurado pelo próprio premiê, ao convocar, para o dia 8 de setembro, um voto de confiança na Assembleia Nacional sobre seu plano de corte de gastos.
No país, o presidente — Emmanuel Macron, no caso – tem atribuições envolvendo, especialmente, a Política Externa e a Defesa. O primeiro-ministro, que é nomeado pela Presidência, cuida da governança interna, executa o orçamento e precisa ter a maioria do Parlamento para governar.
Disputa orçamentária
A proposta orçamentária de Bayrou é impopular inclusive com os governistas. Entre as propostas, estão o fim de dois feriados nacionais, o aumento de impostos, a redução de benefícios sociais e em outras despesas, que resultariam – de acordo com o documento – em um corte de € 44 bilhões (R$ 279 bilhões).
A França passa pelo agravamento de uma crise fiscal, com déficit público (5,8% do PIB) quase duas vezes maior do que o permitido pela União Europeia e uma dívida que ultrapassa os 114% do PIB – totalizando mais de € 3 trilhões (R$ 19,05 trilhões). O antecessor de Bayrou, Michael Barrier, foi destituído com apenas três meses de mandato, vítima de uma moção de censura depois de passar um orçamento sem a aprovação do Legislativo.
A oposição vê o projeto da coalizão governista como um plano de austeridade e é crítica às propostas. A extrema direita afirmou que o primeiro-ministro se mostra irredutível em negociações sobre a peça orçamentária. O Partido Socialista apresentou um conjunto de novas medidas a Bayrou, que as classificou como “uma forma de gastar mais”.
O professor da UFF (Universidade Federal Fluminense) e pesquisador de Harvard, Vitelio Brustolin, aponta que a possível queda de Bayrou é um golpe sério para o país e para Macron, que pode ver sua Presidência ainda mais fraca.
“É um dilema à França. De um lado estabilidade política, de outro a credibilidade fiscal. Um dos lados vai sair desfavorecido”, afirma. “O governo de Macron enfrenta um dilema impossível de ser resolvido de forma ótima”, pontua Brustolin.
Possível cenário eleitoral
Mesmo sob risco de uma crise política, a maioria dos franceses é favorável à saída de Bayrou e que Macron convoque uma nova eleição legislativa, segundo pesquisa do IFOP (Instituto Francês de Opinião Pública).
O Reunião Nacional, partido de extrema direita comandado por Marine Le Pen, já preparou uma lista de candidatos para concorrer ao possível pleito, segundo informações da Reuters.
Caso o pleito ocorra, o Reunião Nacional estaria na liderança com 33% dos votos. A coalizão de partidos de centro, que forma o atual governo, tem 15% das intenções de voto.
O professor de Relações Internacionais da FGV e da ESPM, Vinicius Rodrigues Vieira, explica que a instabilidade política constante atrai mais eleitores para a extrema direita.
Para Rodrigues, com a falta de sucesso do centro político representado por Macron em responder às angústias da população francesa, “não é de se estranhar que cada vez mais a extrema direita possa ser considerada pelos franceses como uma real alternativa de poder.”
Segundo ele, a ultradireita já tem mais destaque e tem mais facilidade para pautar as discussões do que o governo Macron. Isso ocorreria pela falta de uma convergência entre o centro. “Ela vai ter força cada vez maior, não só nas eleições legislativas, mas também nas eleições presidenciais”, afirma, destacando a falta de um sucessor claro a Macron.
Além das fronteiras francesas, a União Europeia acompanha a situação com atenção. A França é a segunda maior economia da Europa, atrás apenas da Alemanha, e tem grande força dentro do Parlamento do bloco.
A continuidade de uma política incerta na França “tende a aumentar a volatilidade do mercado europeu, enfraquecendo a Zona do Euro e a União Europeia”, afirma Vitelio Brustolin. O pesquisador também aponta que o país perde espaço em “projetos que exijam lideranças, podendo ser até adiados se a França estiver enfraquecida”.